Fernando Martins Zaupa. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul.Especialista em Direito Constitucional .

domingo, fevereiro 20, 2011

“Não dá para ajudar com nada, pois a vida tá difícil...” Ah, conta outra!

Em meio a tanta procura pela chamada ‘Justiça’, uma das que mais indignam é a que tem por razão o descaso de milhares de pais (ao menos 'pais no papel'), os quais simplesmente não se preocupam com a vida de seus filhos, lançando-os na marginalização da sobrevivência.
Infelizmente, é grande o número de pais que não auxiliam com a mínima ajuda que seja (não vou nem falar em amor, carinho, moral, presença...já que essa questão daria outro e extenso post...lamentável!).
Eis que, ou nunca prestaram qualquer forma de contribuição para o cuidado dos filhos (relegados aos duros esforços de suas genitoras e avós) ou então ficam naquele famoso ‘pinga não pinga’, só fazendo o ‘pagamento da pensão’ quando intimados pela tal Justiça.
Assim, em meio a tumultuada vida moderna, criança e mãe têm que, a todo momento, faltar no trabalho, pegar o ônibus, agendar hora com defensor ou advogado, ingressar com ação de alimentos ou sua execução, esperar burocrático trâmite processual, intimação do safa...ops, pai omisso, e muitas vezes acabar na frase: “ah, posso com nada não, to desempregado”, ‘ah, já tenho outros dois filhos com outra mulher’, ‘ah, tô meio doente e minha mulher atual acabou de ter neném’, etc.
Ah, só pode ser brincadeira um argumento desses!
Se fosse para ele, o safa... digo, para o próprio pai sobreviver, certamente ele daria um jeito, sairia a pedir qualquer tipo de trabalho, de porta em porta (ou, se não possuir tal hombridade, ao menos iria pedir alimentos), pegaria o que surgisse e pelo valor que fosse, arrumaria uns trocados, enfim: daria um jeito!
Mas não! Para esses desprezíveis seres, o ronco da fome de seus filhos não incomoda seus ouvidos; as dores da falta de medicamentos não atrapalham seu lazer e suas peladas de futebol; o frio pela falta de roupas não lastreia sua pele; a tristeza de suas almas não penetra em seus corações!
Desse modo, apesar de me acharem algumas vezes ‘muito firme’ (eufemismo dos educados, pois já ouvi frases mais... fortes –vou ser eufemista também), transcrevo apenas o trecho menos jurídico (poupando a todos das citações da lei, doutrina e jurisprudência), de um dos pareceres emitidos para um desses ‘pais’, o qual, saudável e forte, e, com uma filha de dois anos sem nunca ter recebido qualquer ajuda (dois anos... e nada!!), simplesmente falava que não tinha como dar mais de vinte reais para ela (vinte reais para alimentação, vestuário, saúde, educação, lazer, etc etc), já que ‘a vida estava difícil’:

“(...trechos preliminares, etc etc)
Observa-se, com a omissão do executado (não cumpriu com o pagamento devido) o inadimplemento voluntário e inescusável do débito alimentar, restando ao Ministério Público concordar coma aplicação de medida mais drástica (prisão civil).
A realidade é que, infelizmente, a credibilidade da Justiça e o cumprimento das obrigações, muitas vezes devem ser obtidos pelos meios coercitivos, previstos e existentes no ordenamento jurídico.
A violência do desamparo alimentar, por aquele que é pai (ao menos juridicamente), não deve ser tolerado, sob pena de se ver milhares de crianças e adolescentes famintos, com seu desenvolvimento prejudicado, tanto na forma física como moral.
Ademais, haja paciência para, a todo o momento, ter de se ingressar com uma ação de execução de alimentos para, após movimentação de toda a máquina estatal, deparar-se com a simples afirmativa de que não está empregado e por isso não pode pagar!
Ora... em qualquer civilização e em anacrônica evolução histórica, o ser humano, ao exteriorizar no mundo fático um ato qualquer, assume a responsabilidade por esse ato, em suas variadas conseqüências!
Uma filha não apenas enseja essa responsabilização (alimentação, moradia, educação, vestuário, lazer, etc), como, também, impõe mudanças na vida do dito responsável (vai ter que passar a trabalhar com atividades que até então lhe eram estranhas ou desagradáveis, para ter dinheiro para o amparo do rebento, etc).
O sofrimento dessa criança não existiria se simplesmente essa criança não tivesse, por ação desse pai, vindo a esse mundo.
Que haja por parte desse agora omisso genitor ação condizente com a menção de que se trata de um cidadão ou mesmo indivíduo, já que perante o mundo animal (afinal, não podemos jamais esquecer que apesar de racionais, pertencemos ao mundo animal e assim somos), não há referido abandono e descaso, sendo comum se deparar com variadas espécimes a se doar ao máximo ou mesmo se sacrificar para que sua prole vingue, exista, se perpetue e viva!
O que estava esse pai, o qual se posta ‘cheio de saúde, forte e falante’, a fazer durante esses dois longos anos?
Por que, entre a data da citação e sua resposta, vista aqui como mais de quatro meses, não ‘deu um jeito’ para ao menos oferecer quantia em dinheiro que não fosse aviltante, vergonhosa e abjeta, claramente fora da realidade de um mundo em que só para comparecer ao fórum sua filha – por sua genitora – gastara praticamente isso entre vindas e idas?
Ademais, ainda que estivesse sem meios de contribuir com qualquer valor que fosse, em razão de desemprego, tem-se que teria de dar um jeito para cumprir sua missão de pai, não sendo tal circunstância desculpa, conforme ementa (citações de julgados, doutrinas, etc).
Eis, pois, os fundamentos que autorizam e recomendam a prisão civil do executado.(...)"

O pai omisso, ao ser decretada sua prisão, como a quase totalidade dos ‘executados’, veio a pagar a verba alimentar, antes de ser cumprida a ordem de prisão...
Certamente tais medidas jamais irão resolver a falta de noção e senso de responsabilidade desses milhares de pais omissos; contudo, podem perguntar aos que militam na área, se não é uma das poucas medidas que realmente funcionam nesse país.
Duro é ver que há alguns auto-intitulados ‘representantes do povo’ e ‘operadores do Direito’ (que termo horrível..) que condenam a prisão civil como forma de forçar tais desalmados a cumprir seus deveres.
Talvez prefiram a prisão – com regime de crueldade - dessas crianças e adolescentes famintos.... ou... vai saber... militam em causa própria!

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