Fernando Martins Zaupa. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul.Especialista em Direito Constitucional .

sábado, abril 16, 2011

"Mutirão carcerário"...e por que não "mutirão para corruptos"?


Interessante...
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), como ocorre todo ano (às vezes mais de uma vez ao ano), preocupado com a superlotação nos presídios, estabelece - por Resoluções - os chamados ‘mutirões carcerários’, como esse que irá se iniciar esse mês.

Aí, criam-se comissões e grupos, onde todos os processos de presos (provisórios e definitivos) são remetidos para esses excepcionais (entendeu ‘de Exceção’? Não...) julgadores, e, assim, ‘numa tacada só’, analisam-se a possibilidade de soltura dos presos.

‘Ah’, poderia alguém dizer, não é para se analisar os ‘direitos dos presos’?

Bom, pelo que se depreende das medidas almejadas e finalidades políticas...ops...de política criminal (ficou melhor né? Tá tá..), tem-se que a ‘idéia’ é analisar se, por algum motivo (????) não há presos que já possuam direito de liberdade (no caso condenados em definitivo) ou que possam responder livres aos processos (no caso dos presos provisórios).

Então, a tônica é verificar se há como colocar em liberdade os presos... ainda que promotores e juízes - que atuam na causa -tenham anteriormente entendido que não seja caso de colocar o criminoso na rua.

‘Ah’, diria algum estudante de Direito ou mesmo uma pessoa dita ‘comum do povo’... ’mas quem revê decisão de outro juiz não é somente um Tribunal?

Pois é, pois é... Eis algumas indagações que, em Direito, dão ditas e ditas e ditas...

Mas, questões processuais à parte (‘não seria constitucional, pela competência, juiz natural’..? Pois é...), fico a me questionar, em outro enfoque (pois o anterior já está a me tirar do sério e ainda é objeto de questionamentos práticos...), por que é que não se vê a mesma energia, vontade e orquestração para que haja, no mínimo a cada ano, “mutirões da corrupção’?

Sendo verdade que em anacrônico período histórico e em face as mazelas constatadas, depara-se infelizmente com violações de direitos individuais fundamentais de encarcerados, por que também não agir, como a mesma intensidade, frente às violações cotidianas aos direitos fundamentais da população, vilipendiadas em face dos desvios de dinheiro público, falcatruas, esquemas, jeitinhos, etc?

Se é certo que um estuprador – como esse que essa semana conspurcou com a integridade física e moral de uma jovem de 20 anos, atacando-a covardemente, aqui em Campo Grande-MS, dentro do campus da UFMS, quando se dirigia para a aula (vide notícia da Folha de S.Paulo: link) , terá futuramente seu processo analisado por essas comissões, para ver se poderá se posto em liberdade - ainda que o juiz do processo tenha determinado a manutenção da prisão -, por que não se criar mecanismos para ver se a falta de policiamento efetivo e estrutura adequada ‘por falta de dinheiro’, decorrentes claramente da corrupção que assola o país, não pode ser objeto de um mutirão, perante os processos de corrupção em trâmite?

(* uma informação: o estuprador era foragido do sistema penitenciário, já que mesmo tendo matado a ex-namorada que estava grávida, teve o direito de progressão e, claro, no fictício sistema de semi-aberto, fugiu: notícia)

Isso porque é muito comum o discurso de que não há verbas para, por exemplo, a melhoria da educação e, por isso, vê-se poucas escolas, professores desmotivados e despreparados (cadê as capacitações? Cadê condições para ele próprio pagar cursos extras?), falta de material escola, etc...

Com o dinheiro desviado a cada momento (basta clicar nos principais sites de notícia que sempre – repito-  SEMPRE haverá notícia de algum tipo de corrupção!), como não dizer que tal crime não viola o direito fundamental de milhares de crianças e adolescentes?

Então, o processo de corrupção no desvio da merenda, do dinheiro do transporte escolar, da licitação fraudulenta da escola inacabada, do dinheiro do FUNDEB não repassado aos professores, etc, não teria que ter um mutirão, para que haja “o devido respeito a valores tidos fundamentais pela Constituição Federal”?

Essa frase entre aspas, tirada de um discurso justificante para o mutirão carcerário, não se aplica de forma forte e indelével ao caso da corrupção supramencionada?

Pois é...

E os processos de desvio de dinheiro da saúde, meus saudáveis cidadãos?

Quantos não são os processos de superfaturamento em medicamentos, compra de medicamentos já vencidos, desvio de dinheiro de ambulâncias, fraude em licitações de hospitais e postos de saúde inacabados, apropriação de dinheiro destinado a pagamento de médicos e auxiliares da saúde, desvio e troca de materiais cirúrgicos, etc?

Nesse caso, não há patente urgência e flagrante violação dos mais nobres direitos humanos, que são o direito à vida saudável (CF, art. 196 c.c. art. 5ª c.c. art. 1ª, III)?

Aliás, invoca-se o tão apregoado “princípio da dignidade da pessoa humana”, estampada no art. 1º da Constituição Federal, para a realização dos mutirões carcerários...

Então, nessa linha, os danos à saúde são o quê?

Por que o direito de sua filha que está a aguardar dois meses para uma consulta; seu pai que está sem data para receber aquela prótese; sua vizinha que não consegue um especialista ou você que teve que ficar no chão de um corredor por falta de maca (nem falei leito!), não é visto como objeto de um mutirão?

Na mesma esteira são as corrupções que aniquilam seu direito à segurança, ao trabalho, à alimentação, à cultura, ao transporte, ao lazer, à moradia, ao meio ambiente equilibrado, etc.

Se violação a direito dos encarcerados ocorrerem, realmente que se tomem providências, nos termos legais!

Agora, se há constantemente violações aos direitos de todos os cidadãos brasileiros e, já que é para se destacar princípios constitucionais como fundamentos de medidas, tem-se que realizar esses mutirões apenas para quem comete crime e, para você – que cumpre a leis e é honesto – não haver também um mutirão para tratar dos processos que lhe afetam, com a devida vênia aos doutos, isso é descaradamente inconstitucional, por flagrante violação do art. 5º da Constituição:

Todos são iguais perante a lei, SEM DISTINÇÃO DE QUALQUER NATUREZA...”

...a não ser para quem risque o art. 5º e aceite a tese de que para quem comete um crime, há mais direitos e garantias ou...

...parafraseando a famosa passagem da obra de George Orwell (‘A Revolução dos Bichos’: disponível em link):

 “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros”!

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