Fernando Martins Zaupa. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul.Especialista em Direito Constitucional .

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Os que incomodam que se mudem!...


Quem já não se deparou com a frase “os incomodados que se mudem!”?
Basta dizer, claro, que na origem dessa frase, o interlocutor estava a reclamar de algum incômodo e, também evidente, que o chato a incomodar fora quem disse tal frase...
A máxima de que quem está a ser incomodado pela ação egoísta de outro tem que ‘mudar’, está correta?
Aqui em Campo Grande-MS, segundo um grupo de empresários e agentes políticos, parece que sim!
Há anos agindo irregularmente, com promoção de diversos e freqüentes shows e eventos dos mais variados matizes, empresários e administradores locais, foram compelidos a regularizar ambientalmente suas atividades, desenvolvidas em um parque situado na área urbana, localizado em populosa área residencial, predominantemente habitada por pessoas simples.
Ocorre que, ao mesmo tempo que a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, capitaneada pelo dirigente promotor Alexandre Raslan, sempre se pautou pelo bom senso e razoabilidade, inclusive tentando estabelecer diálogo desde 2008 com os organizadores, com o fito de obter a regularização de forma a também prestigiar os eventos como meio ambiente cultural, também não se pode fazer alheio a postura de descaso dos organizadores, muito menos aos reclamos da população afetada, vítimas cotidianas da aberrante poluição ambiental constatada (vide absurda altura dos sons constatados pela perícia: click aqui)
Como as oportunidades de solução amigável e compatível com a preservação do direito a tranqüilidade da população foram simplesmente ignoradas pelos organizadores, a Promotoria ambiental interpôs uma Ação Civil Pública que, após negativa da liminar pelo Juiz de Direito que recebeu a ação (pois é...), obteve êxito perante o Tribunal de Justiça, proibindo-se a realização dos eventos até que medidas de contenção acústica sejam efetivadas.
Mas, como a saúde de trabalhadores (que, exaustos após um dia de trabalho, procuram seu único local de descanso para o próximo dia de labuta), idosos, crianças, enfim, saúde e bem estar de centena de famílias, parece não sensibilizar referidos ‘empresários do entretenimento’, eis que movimentação fora orquestrada por essa oligarquia pós moderna e, com o envolvimento de segmentos da classe política, sob bandeiras demagógicas de que ‘o povo não pode ser privado do lazer’ (que povo$$..ops..errei o sinal de indagação: ?), enveredaram-se pela modificação da chamada Lei do Silêncio, para conseguirem promover, ao arrepio da decisão judicial, a realização dos eventos.
Após o que seria uma audiência pública, onde moradores humildes explicitaram as diversas noites sem dormir, crianças a chorar, falta de condições para trocar as telhas simples de Eternit para abafar sons ou mesmo possibilidade de atender ao adágio de se mudar ante a clara desvalorização de seus imóveis, eis que Suas Excelências, os ‘representantes do povo’ da Câmara Municipal, por maioria (bom, ao menos alguns se mostraram conscientes), decidiram por atender aos reclames dos.... organizadores de eventos (afinal, “o povo não pode ficar sem cultura e lazer!!”) e alteraram a Lei do Silêncio, na tentativa de possibilitar que determinados eventos pudessem ‘excepcionalmente’ ser realizados no local (seria a Lei do Barulho?)
Só que, conforme bem explanou o também representante do povo (mas da justiça do povo), o promotor Alexandre Raslan, não é porque houve alteração de uma lei municipal que o dever de respeitar uma decisão judicial será alterado.
Aliás, há normas constitucionais, leis federais (cadê as licenças? Ah, não têm...) e o próprio direito à saúde a serem respeitados.
Em pleno século XXI, posta-se triste ver que o respeito a terceiros ainda é lançado ao limbo do descaso, quando fatores econômicos postam-se em evidencia e arregimentam segmentos que deveriam zelar pelos direitos da população e, o que é mais perturbador, sob bandeiras demagógicas de que estão a preservar outros direitos, para assim se conquistar apoio de incautos, colocando-os contra os reais e verdadeiros defensores dos direitos do povo.
Força a nosso colega Alexandre Raslan, que como tantos promotores e cidadãos aguerridos, simboliza a resistência e luta pelos cada vez mais escassos ‘valores de bem’.
As pancadas do poderio econômico certamente lhe são doídas e desgastantes; mas, ao olhar para a pobre população também vítima dessas egoísticas investidas de anacrônico reflexo feudal, aliada a caminhada de dezenas de outros colegas, que também lutam em suas áreas de atuação (muitas vezes também de forma solitária, quixotesca...), lembre-se que não está só e que o mundo apenas não vive um completo estado de caos, ante a resistência e respiro dos bons... como você!
A resistência continua! Os que incomodam que se mudem!...ou aprendam a viver em sociedade!

Um comentário:

  1. Esta a relidade de todas as cidades brasileiras, ninguém respeita ninguém.
    Civilidade 0!
    Iara Mattos-RO

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