Fernando Martins Zaupa. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul.Especialista em Direito Constitucional .

sábado, janeiro 29, 2011

Favores ao rei, ao príncipe, ao amigo do príncipe, ao....

Correu nos últimos dias a notícia acerca da concessão de passaportes diplomáticos para familiares do ex-presidente da República.
Não bastassem as discussões acerca do alcance de referidas ‘exceções a interesse do país’, dois desses passaportes foram emitidos no dia 29 de dezembro de 2010, ou seja, a apenas dois dias do fim do mandato do hoje ex-presidente, conforme apurou o jornal Folha de S.Paulo.
Além do Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil condenou referida conduta.
Referida notícia surgiu logo após outra que já tramitava nos canais de midia, a de que o ex-presidente estaria com familiares a usufruir as instalações públicas das forças armadas na melhor praia do Guarujá-SP, não obstante não ostentar mais a função de chefe do executivo nacional (vide notícia: link).
Em sua defesa, o mantido Ministro da Defesa disse, então, que o ex-presidente estaria lá na condição de convidado.
Algo novo? Pois é, infelizmente não.
Já com a vinda das primeiras naus e caravelas, foram trazidos a solo pátrio grupos de prestadores de serviços do Reino de Portugal, boa parte formada de detentores de cargos honoríficos, de confiança e outras nomenclaturas para denominar a escolha dos enviados, muitos dos quais membros da mesma família dos responsáveis por tais ‘nomeações’ e escolhas.
O legado lusitano, advindo de um decadente período de terríveis perdas financeiras (guerras, gastos exorbitante para manutenção das extravagâncias da corte, nobreza e clero, etc), fomentou em muita a já existente promiscuidade entre os chamados ‘interesses do reino’ e vida privada.
É com a vinda da família real portuguesa, precisamente com a instalação da Corte Real Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1.808, que essa promiscuidade entre o interesse do reino e a vida privada se torna mais sensível e, porque não dizer, mais caracterizada nas linhas do que hoje se entende por nepotismo, apadrinhamentos, favorecimentos, sempre em prejuízo da população e das ‘personas não amigas do rei’.
Nesse desiderato, havendo o início de formação de um aparato administrativo para prestação de serviços e necessidade de estruturação política e organizacional do país, claramente se intensificou a possibilidade de inserção de ‘favorecidos’ em setores variados, até mesmo como forma de sobrevivência da Corte (para se manter respeitada e principalmente apoiada por nobres, aristocratas e pelos profissionais liberais que já existentes).
O historiador Laurentino Gomes, em excelente estudo sobre a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, destaca:
“A corte portuguesa no Brasil era entre 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época. E todos dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício em troca do ‘sacrifício’ da viagem”. (1.808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil. 2007, p. 188.)
O historiador Eduardo Bueno, destaca que já em Portugal, antes mesmo da montagem das estruturas administrativas no Brasil, postava-se comum o crescente ‘arrebatamento’ das funções administrativas por particulares e seus interesses:
“Com o passar dos anos, desembargadores, juízes, ouvidores, escrivães, meirinho, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes, administradores e burocratas em geral – os chamados ‘letrados’ – encontravam-se em posição sólida o bastante para instituir uma espécie de poder paralelo, um ‘quase Estado’ que, de certo modo, conseguiria arrebatar das mãos do rei as funções administrativas. Esse funcionalismo tratou de articular também fórmulas legais e informais para se transformar em um grupo autoperpetuador, na medida em que os cargos eram passados de pai para filho, ou então para parentes e amigos próximos.” (BUENO, Eduardo. “A Coroa, a Cruz e a Espada – Lei, Ordem e Corrupção no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Objetiva. 2006, p. 34.)
Pois é... triste observar que após mais de quinhentos anos, vê-se em solo tupiniquim práticas já condenáveis e provincianas.
Assim, ‘considerando bem...’, para ser mais direto ao ponto, ainda que haja pendência de investigações, referida questão é - no mínimo - imoral e vergonhosa.
Aí toma espaço aquele chavão que alguns brasileiros safados em geral gostam: ‘ah, é imoral mas é legal!’
Isso é sempre discurso de safado e ponto!
Imoral afeta a moralidade e, em termos principiológicos, estando investido de posição de agente público ou aproveitando-se de tal estado (atual ou anterior..pelos 'contatos), está a ser contra o dever legal de agir com moralidade! Pronto: está ilegal!
É o que penso e o que acho justo para a vida pública.
Fora isso, podem até existir argumentos jurídicos a justificar referidas práticas; mas, minha ideologia moral, não levada por ventos atlânticos ou carimbos imperiais, não vão mudar!

2 comentários:

  1. Excelente artigo Promotor.
    Muitos Parabéns pela coluna.
    Andressa Barros-DF

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  2. Artigo excelente.
    Muitos parabéns pela Coluna. Ligia Barros-DF

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