Fernando Martins Zaupa. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul.Especialista em Direito Constitucional .

sábado, fevereiro 19, 2011

“O Brasil é um Estado laico”... não um Estado intolerante!

Saiu  na Folha de S.Paulo, que um pastor da cidade de Sidrolândia-MS pretende, por via judicial, a retirada da expressão “Ave Maria”, existente na bandeira do município (noticia aqui).
Segundo o pastor, sua motivação não seria ato contra os católicos; mas, sim, por entender que é um desrespeito às demais religiões, haja vista que "o Brasil é um Estado laico” e, assim, irá 'exigir retirada, nem que tenha que ir ao Supremo!'
Bom, como já deixei de atuar em Sidrolândia-MS há nove meses, e, observando que o caso está a ensejar recorde de comentários pelos leitores da Folha de S.Paulo, lanço a presente observação.
Considerando bem a questão, eis alguns dos pontos de vista (em vários sentidos), apresentados pelos leitores:
‘- porque o pastor não respeita a tradição, já que a bandeira vem da época da fundação do município, quando não havia outras religiões no local’
‘-concordo com o pastor e também pela retirada de crucifixos de repartições públicas’
‘- se ele alega ser um Estado laico, porque aceitam doação de terreno para construção de templos?’
‘-isso é ignorância cultural e intolerância religiosa!’
‘-será que ele vai querer tirar o Cristo Redentor também?’
‘-é um Estado laico e a expressão tem que sair mesmo’
‘-por que ele não tira o Deus seja louvado das notas de dinheiro?’
 ‘-então vão mudar o nome de São Paulo, Santa Catarina, Santo André, etc??”
 ‘-sou pastor e não concordo com ele, Ave Maria está na Bíblia e foi dito pelo anjo Gabriel a Maria’
‘-você gostaria que tivesse uma frase do Alcorão na sua bandeira? Uma frase ateia?’
‘-sou ateu e não acredito em Deus, somos apenas seres humanos!’       
‘-que tal ‘Deus não existe’ na bandeira? Para mim é tão ofensivo quanto ‘Ave Maria’...’
‘-povo desocupado..enquanto isso políticos roubam e falta creche, hospital, escola...’


E por aí vai, em meio a outras argumentações, discussões, ofensas, devaneios, críticas construtivas, baixarias e xingamentos.
Apenas para situar alguns leitores, o Estado laico, tão citado nas discussões acima, conforme consagrado atualmente pela Constituição Federal de 1988, significa que o Brasil não possui uma religião oficial.
Dessa forma, eis a separação total entre Estado e Igreja.
A Constituição estabelece expressamente ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (art. 19, inc. I).
Porém, há interessante questão...olhe o que diz o preâmbulo da Constituição Federal:


Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL" . (grifei)


 Interessante, não?


Sobre esse aspecto, pertinente trazer o ensinamento do constitucionalista ALEXANDRE DE MORÃES:
 “[...] o Estado brasileiro, apesar de laico, não é ateu, como comprova o preâmbulo constitucional, e, além disso, trata-se de um direito subjetivo e não de uma obrigação, preservando-se, assim, a plena liberdade religiosa daqueles que não professam nenhuma crença”. [1]


Ainda, pertinente transcrever as digressões de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:


 “O Estado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu, como se deduz do preâmbulo da Constituição, que invoca a proteção de Deus. Admite igualmente, que o casamento religioso produza efeitos civis, na forma o disposto em lei (...) a laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé.”[2]


Pois é...
Discussões legais à parte, eis que o caso serve, acima de tudo, para reflexões dos envolvidos na questão, já que antes de se enveredar posturas ideológicas, arrogância, bravatas, demagogias, intolerâncias, desrespeitos, entre outros, há de haver ao menos respeito aos ditames basilares – esses sim legais – da Constituição Federal (art. 3º):


“promoção do bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.


A conversa mútua e sadia, com discussão equilibrada e despida de preconceitos, sob véus de respeito e tolerância, certamente seria a maior demonstração de que algo maior existe...
....seja por meio da existência de Deus ou pela crença isolada no ser humano!


--------------------------------------------------------------------------------

[1] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 123.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 408-9.

2 comentários:

  1. Gostei de ler sua análise, deste fato. Já lera sobre, mas sua explanação muito melhor.
    Gostei tb. de todos os artigos de sua autoria.
    Rubens Junqueira-BH

    ResponderExcluir
  2. Excelente texto e exercício de argumentação, mas discordo da questão Ave Maria, pois assim o que seria da pergunta de Jesus: "mulher, que tenho eu contigo?" e dos registros que após o nascimento de Jesus Maria teve outros filhos? enfim, afora essa questão, acompanho é parabenizo você.
    Obrigado.

    ResponderExcluir